Há poucos dias uma amiga pediu-me para que lhe gravasse um cd. Este deveria conter músicas que me dissessem algo e que lhe dissessem algo de mim ... Enquanto as recolhia, entrelaçando-as e reordenando-as, recordava-me de o ter feito algumas vezes, para quem e porquê. Creio mesmo que todos nós já o fizemos. É um daqueles lugares comuns aos quais ninguém acaba por escapar. Assim como não nos podemos furtar à sua análise passado alguns dias, na companhia do destinatário. Uma coisa pressupõe a outra. São dois momentos de um mesmo processo. Escolha, gravação, entrega e discussão. Nesta última fase, deixamo-nos entusiasmar pelos pormenores que o outro captou (ao juntarmos a óbvia R U Lonely? do Graham Coxon com a transparente Vou Recomeçar da Gal Costa) ou sentimo-nos frustrados quando o outro passa pela Range Life dos Pavement sem sequer um mero apontamento. Enquanto o fazia recordei-me de um texto de Vincent Delerm. Excerto de uma peça de teatro que escreveu há três anos. Um olhar atento sobre as expectativas de duas pessoas. A forma como ditam os seus comportamentos. Os lugares comuns por onde toda uma geração passou. A minha re-leitura de hoje.
LUI
« J'avais appartenu quelques années plus tôt a cette catégorie de garçons dont la téchnique de séduction repose en grande partie sur la confection de cassettes. Le secret de cet exercice réside avant tout dans le panachage:
1) Panachage entre les titres inconnus et célèbres (par exemple : Mr. Alphabet Says du groupe The Glove placé derrière Sunday Bloody Sunday de U2).
2) Panachage entre pop indépendante britannique et variété française (I Know It's Over par les Smiths et L'Amour En Fuite d'Alain Souchon).
3) Panachage extrèmement délicat entre chanson dévoilant un penchant idéalista et romantique (Way To Blue de Nick Drake) et chanson mettant en lumière un tempérament cynique et désabusé (Le Lien Défait par Jean-Louis Murat). »
ELLE
« J'ai bien aimé la première face ... »
LUI
« C'est-à-dire tout ce qui concerne Depeche Mode. »
ELLE
« La deuxième ... »
LUI
« Celle qui contient les 12 meilleures chansons de la planète. »
ELLE
« ... en fait, je ne l'ai écoutée qu'une seule fois. »
LUI
« C'est la qu'il devient compliqué de sourire ... »
ELLE
« En plus, j'étais dans ma voiture, j'ai raté certaines passages. »
LUI
« Probablement Tonight We Fly de Divine Comedy ... »
ELLE
« Mais ça a l'air bien. »
LUI
« Et la nous nous dirigeons tout droit vers un "mais il faut que je la réécoute". »
ELLE
« ... il faut que je la réécoute. »
Texto de Vincent Delerm in Le Fait d'Habiter Bagnolet
(trad. livre)
ELE
« Pertenci, durante alguns anos, a uma categoria de rapazes, cuja técnica de sedução, assentava em grande parte, na gravação de cassetes. O segredo deste exercício reside antes de tudo na mistura:
1) Mistura entre títulos desconhecidos e célebres (por exemplo: Mr. Alphabet do projecto The Glove colocado atrás de Sunday Bloody Sunday dos U2).
2) Mistura entre indie pop britânica e música francesa (I Know It's Over dos The Smiths e L'Amour En Fuite de Alain Souchon).
3) Mistura extremamente cuidadosa entre músicas que mostrem uma propensão idealista e romântica (Way To Blue de Nick Drake) e músicas que revelem um temperamento cínico e ousado (Le Lien Défait de Jean-Louis Murat).
ELA
«Gostei muito do lado A ... »
ELE
« Ou seja, tudo o que diz respeito aos Depeche Mode. »
ELA
« A segunda parte ... »
ELE
« Aquela que contem as 12 melhores música do planeta. »
ELA
« ... bem, não a ouvi mais que uma vez. »
ELE
« Nestas alturas torna-se complicado sorrir ...»
ELA
« Ainda por cima, escutei-a no carro, e não prestei atenção a certas partes. »
ELE
« Provavelmente a Tonight We Fly dos Divine Comedy. »
ELA
« Mas parece-me bem ... »
ELE
« Eis que nos dirigimos para o " tenho de a escutar outra vez" . »
ELA
« ... Tenho de a escutar outra vez. »